sábado, 6 de junho de 2009

O espanto das coisas



(exercício das palavras obrigatórias: JANTAR, CASTIGO, PERPLEXA, PORTÃO, ELOGIO)


E aquela tarde começou cedo. A expectativa em relação ao que poderia acontecer ia crescendo, multiplicando-se e, finalmente, atingiu o seu epílogo: o jantar ia ser servido! Tamanha surpresa no que toca àquela refeição, apenas poderia ser tida em conta pelo que todos já sabiam: ali comia-se cedo e bem, mesmo muito bem. O facto de se comer cedo, não era o que mais nos prendia, mas sim a perspectiva cada vez mais concreta de um repasto digno de uma qualquer família real, alojada num sumptuoso palacete como, aliás, poucos até então tinham conhecido.
Já a noite ia longa e as conversas não saíam do mesmo: pássaros, cavalos e a criança que viria, mais percalço, menos percalço, a ser rei. Daquela refeição impaciente, apenas um elogio envergonhado de alguém que, olhando para tamanho castigo, que se resumia às conversas forçosamente cordiais, achou por bem quebrar o gelo que se ia criando à medida de cada palavra vã, de cada frase obsoleta, de cada estirada romanticamente absurda, e lá chamou a si a difícil tarefa de enaltecer o tal manjar.
Enquanto esperava ao portão pela boleia, algo deixou perplexa a colega dos amigos do nosso ilustre anfitrião. O barulho que perpetrava pelos ouvidos já fartos de tanta retórica antecipadamente gasta, assemelhava-se ao pregão de quem não tinha mais nada para vender ou trocar. Era a própria morte a chegar.


Fernando Marta

Sem comentários:

Enviar um comentário